27 de mai. de 2010

Bastidores dos Diários Secretos

Repórteres contam como foi o trabalho investigativo dos repórteres do caso “Diários Secretos”, desde a obtenção dos diários diretamente da Assembleia até o trabalho de montagem da enorme base de dados.

Por: Lucas Kotovicz

Quatro repórteres. Juntos, eles denunciaram a maior fraude na Assembleia Legislativa de todos os tempos. Juntos, eles transformaram a história do jornalismo investigativo paranaense. Eles são Karlos Kohlbach, Katia Brembatti, James Alberti e Gabriel Tabatcheik, autores da prestigiada série de reportagens denominada “Diários Secretos”, que denunciou irregularidades no uso do dinheiro público. Estima-se que o valor deste desvio ultrapasse R$100 milhões, sendo que já foram comprovados R$26 milhões.

E foram os três homens do grupo que estiveram no auditório um do Bloco Azul da Universidade Positivo, no dia 13 de maio. Alberti, Kohlbach e Tabatcheik responderam todas as perguntas dos alunos e professores, que ali estavam, sobre os bastidores do caso Diários Secretos, fruto de quase dois anos de investigações.

Como vocês souberam que havia alguma irregularidade nos diários da Assembleia?
James: O Karlos já tinha feito uma série de reportagens chamada “Gafanhatos”, que já falava da existência de funcionários fantasmas na Assembleia, e a Kátia falava da não-veiculação dos diários da Assembleia. Eu fui fazer uma matéria sobre funcionários fantasmas de uma deputada que concorria à prefeitura de uma cidade da região metropolitana e, ao fazer essa reportagem, a pessoa que nos trouxe o documento acabou revelando o caminho aos diários da Assembleia.

Como vocês tiveram o acesso efeitvo aos diários? Como conseguiram fazer cópias de todos esses documentos?
James: Quando eu fiz a matéria sobre os funcionários fantasmas da deputada, eu perguntei para o cara que me trouxe os diários da Assembleia: “Onde é que você conseguiu isso?”. E ele falou: “No segundo andar, em tal lugar, em tal setor.” Na verdade os repórteres da Gazeta do Povo procuravam em outro lugar. Então, eu fui neste lugar com três trainees (estagiários), e disse para a funcionária que estava lá: “Eu sou monitor desses estudantes e nós queremos fazer um trabalho sobre a Assembleia do Paraná. Então, queremos ter acesso aos diários da Assembleia.” Ela concordou. (risos) Sentamos em uma mesinha e ela trouxe os diários do ano de 1998. Separamos todos os que tinham nomeações, exonerações... Separamos os de 98, pegamos os diários de 99, pedi para a funcionária para levá-los para xerocar e disse que trazia no começo da tarde. Ela novamente concordou. No outro dia fizemos o mesmo processo. No último dia um diretor da Assembleia, que até hoje eu não sei o nome, perguntou o que estávamos fazendo ali e de que Universidade éramos. Disse também que precisávamos de algum documento para explicar o que estávamos fazendo. Eu disse: “Tudo bem, amanhã eu trago para o senhor.” Só que nós tínhamos terminado (risos). Assim, eu xeroquei todo o material, entreguei e nunca mais voltei lá. Até hoje eles não sabem bem como a gente conseguiu isso. Mas foi simples: a gente foi lá, pediu, e a funcionária que estava lá entregou (risos).

Quando vocês começaram a trabalhar efetivamente em cima dos diários e, inicialmente, qual era o objetivo?
James: Nós tínhamos a intenção de responder a seguinte pergunta: quantos funcionários têm a Assembleia do Paraná? Isso começou em maio de 2008. Em março de 2009 a Assembleia publica a lista de funcionários. Nesse momento nós já tínhamos uma planilha de Excel com nomeações, exonerações e aposentadorias, de 1998 a 2008. Assim, a Kátia, que ficou sabendo que nós tínhamos esse material, nos procurou na RPC e conversamos pra gente fazer uma matéria em conjunto. Discutimos com a chefia e transformarmos isso num projeto corporativo. Nesse processo foram incluídos o Karlos, o Gabriel e a Kátia. Então, nós começamos a realizar esse material - que tinham milhares de erros - e a melhorar a nossa planilha. Por fim, chegamos à planilha que é a base de dados que está na internet, que só tem dados de 2006 em diante. Não tem os dados de 98 a 2005 porque nós xerocamos só os diários que tinham movimentações de funcionários. Nós começamos a fazer a investigação e chegou um momento em que tivemos acesso a todos os diários da Assembleia do ano de 2006, mesmo os que não tinham nenhum tipo de movimentação. Aí nos impusemos ao desafio de ter acesso a todos os diários de 2006 em diante, e conseguimos. Os diários avulsos nós não tínhamos controle, ninguém consegue controlar. Como nós tínhamos todos os diários oficiais da Assembleia de 2006 pra cá, resolvemos focar nesse período em que nós tínhamos todos os documentos oficiais.

Como foi o trabalho de montagem da planilha com os dados dos diários?
James: Foi um trabalho muito chato mesmo, de muita persistência. Tivemos que ficar dias e noite, durante meses, olhando e checando nome de fulano, função de fulano, funcionário de qual deputado... Passamos por 80 ou 90 mil linhas de Excel e checamos isso cinco vezes. Realizamos um monte de tabelas, com um monte de informação. Nós não tínhamos sequer percepção de que o volume de desvio era tão grande, de que as coisas tinham essa dimensão. Existe um material muito grande que ainda não veio à tona, e a gente nem sabe se ele vem.

Gabriel: É evidente que, quando começou, nós pensávamos que iríamos trabalhar algumas semanas, um mês, no máximo. Mas nós começamos a descobrir coisas... aí descobria uma maior, depois uma maior, depois uma maior ainda. A gente chegou, várias vezes, a quase publicar, mas aí descobríamos uma coisa muito grande e dizíamos: isso não está certo. No começo a gente não pegava nem a data em que o cara tinha entrado na Assembleia. A gente teve que descobrir também como os diários funcionavam. Não podíamos ligar na Assembleia e falar: “Olha, nós temos um diário aqui...” (risos). Depois de um ano e meio trabalhando é que a gente entendeu como os diários funcionavam.

Karlos: A gente demorou quase dois anos para divulgar tudo isso. O James ficou mais tempo. No feriado de Sete de Setembro a gente ficou até as quatro horas da manhã trabalhando. Então, o processo era de dois em dois: um ia falando e o outro, digitando. Depois passamos a fazer cinco correções. Cinco checagens pra ver se as informações estavam certas, pra definitivamente não errar. Porque é um tipo de matéria que, se você errar um nome, você expõe uma pessoa que não tava na Assembleia... aí você toma um processo enorme.

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